Já quase estamos no nosso destino, o centro de Marrakech fica a escassos quilómetros, mas o sol quenta de tal maneira que não há mais remédio que parar e tirar o fato, sentar um anaco e recuperar fôlegos.

Nesse preciso momento, sentados à beira da estrada e debilitados pelo golpe de calor é quando me questiono se tudo isto paga a pena, que é o que fago eu aqui com o bem que se está na casinha, para que tanto esforço e sofrimento… Compensa? E a resposta é sempre um rotundo sim, de feito quase podo dizer que é isto o que vou buscando. Podedes dizer que sou raro, e não havedes errar, mas sem esse ponto de dureza sinto que me falta algo. Mas (sempre há um mas) não tenho tão claro que Deli pense e sinta o mesmo, e se ela não desfruta disto da mesma maneira ca mim? É uma grande responsabilidade, os meus anseios não devem condicionar a vida dos demais.
A dúvida só dura um segundo, com só um olhar sei que ela está comigo nisto. A experiência bem merece um bocado de sofrimento.

Não sei ainda bem como mas chegamos. Este hotel achega-se mais ao standard europeu, nada a ver com o avelhentado quarto de Rabat, mas a cerimonia é exactamente a mesma: deixar a Capitana onde -mais ou menos- não moleste, check-in, volta pelas malas, subi-las ao quarto, baixar aparcar a Capitana… Já se está a tornar algo quase automático.

Desta volta o “parking privado” que anunciavam é um pequeno pátio, usado como armazém, doutro hotel situado as costas do nosso. Isto serve para nós, mas não posso imaginar como solucionam a situação quando chega um cliente de carro, terão um armazém mais grande?
O caso é que após uns 5 minutos de suor e esforço para meter a moto por uma porta não desenhada para o passo de veículos, estamos já à vontade refrescando-nos no quarto. Meto a cabeça debaixo da bilha e bebo, bebo, bebo até ficar satisfeito. Bem sei que não se deve fazer, que ao não estar o corpo habituado posso apanhar uma diarreia que me arruíne a viagem e blablabla; mas eu bebi todo o que quigem e mais e coma novo, deve ser que sou imune.

Algo que me fascina são os sons de Marrakech. E não, não falo dos sons da Medina ou da chamada à oração. Uma destreza que se desenvolve em Marrakech é a de identificar os distintos “negócios” ambulantes só com o ouvido, não posso assegurar se isto é algo próprio desta cidade ou se repete nalgum outro lugar de Marrocos. Cada um tem o seu som característico: Os vendedores de tabaco passam fazendo tocar as moedas que levam na mão, os limpa-botas petam coa escova na caixa, e se ouves um sshhh-sshhh é seguro que há um vendedor de haxixe perto.

Enquanto desfrutamos dum maravilhoso almorço marroquino, entre sons de moedas que oferecem tabaco aos clientes do local, vem cara nós a pedir esmola uma velha com rosto macilento, acompanhada do que deve ser o seu neto. Eu nunca fui de dar esmola, acredito que não resolve muito no longo prazo. Ao ver que não iam sacar nada de nós dirigem-se aos outros clientes que, um por um, contribuem com a pobre mulher. E neste ponto decatamo-nos de duas cousas: a primeira que os marroquinos são mui generosos com os mais desfavorecidos e sempre se estão a ajudar, e a segunda o incómodo da situação quando és o único que não o fai… Não deixa de ser umha chantagem emocional (como dizer não se podemos permitir-nos almorçar numha cafetaria), mas incomoda.

E até aqui foi a parte fácil, decidimos abandonar Guéliz (bairro moderno da cidade) e enfiar cara a mais excitante e interessante Medina. A guerra começa, não há regras, tudo vale: não bem nos achegamos às portas quando um “faux guide” se oferece a levar-nos, rejeitamos o mais educadamente que podemos mas o homem insiste e persegue-nos até que, distraído com outros turistas, conseguimos deixá-lo atrás. E ainda nem entramos, isto promete.
É um fenómeno habitual nos lugares mais turísticos de Marrocos -não é assim no resto do país- em seguida seremos acossados por guias para que contratemos os seus “indispensáveis” serviços. Há que distinguir entre guias autênticos e guias falsos (por esse nome são conhecidos, “faux guides“). Um guia falso não é sinal de estafa, simplesmente não recebeu a formação adequada e não conta com a permissão oficial. O que é bastante injusto para os guias acreditados, ademais não há possibilidade de reclamar se ao final resulta ser um engano.

Alguns truques para desfrutar mais tranquilo da Medina: 1. Se falas português (muito provável se estas a ler isto) não utilizes outra língua, se não, simula ser português. A razão é simples, os vendedores em Marrocos falam mais de meia dúzia de línguas mas o português normalmente não é uma delas, pelo que se limitarão a um simples “bem-vindo” e poderás continuar o teu passeio sem mais interrupção.  2. Tenta ir sempre perto de turistas usamericanos ou japoneses, eles gastam mais e os vendedores sabem-no bem, deixaram-te mais tranquilo como turista “pobre” que és.

Se há um lugar que centra a vida da cidade esse é sem dúvida a praça Jemma el-Fna. O melhor deste lugar é a transformação que vai sofrendo no decorrer do dia, sempre está a acontecer algo pelo que qualquer hora é boa para desfrutar da praça. Dispostos a ver essa transformação passamos a tarde toda, até chegar a noite, observando a fauna local e forânea a interactuar. A cousa funciona basicamente com locais tentando sacar a máxima quantidade possível de dinheiro aos turistas e turistas a ser mugidos até onde se deixarem.

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Ao cair da noite a praça ganha ainda mais vida e encanto que durante o dia, e começa a notar-se um cheiro delicioso a sair dos fumegantes postos instalados na mesma praça. Deixamo-nos seduzir e decidimos que já é hora de encher o bandulho com alguma especialidade local. O processo para escolher é simples, caminhar entre os restaurantes enquanto te assaltam por todo lado oferecendo preços, nunca aceitar o primeiro, que vejam que somos duros e estamos comparando em vários lugares. Uma vez conhecido o preço meio começar a relear para baixar esse preço o máximo possível, desta maneira pagaremos igualmente mais do que realmente custa, mas sentiremos-nos muito melhor. Assim percorremos todos e cada um dos postos, que tentam chamar a nossa atenção com frases de séries televisivas espanholas que nós nem conhecemos, oferecendo bebida grátis e assegurando que o seu é o melhor restaurante, garantido! Ao final acabamos voltando ao primeiro para desfrutar dum magnífico e abundante cuscuz com verduras que não somos quem de acabar.
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Marrakech é umha cidade para amar ou odiar, ou mais bem as duas cousas à vez. Com preciosos lugares e arquitectura, como a praça Jemaa el-Fna, a sua Medina ou a Mesquita Kutubia (que foi o modelo para a Torre Hassan de Rabat ou a Giralda de Sevilla). Mas tamém é um lugar onde sabes que che vão intentar cobrar por todo, onde só és alguém a quem sacar-lhe o máximo dinheiro possível e onde serás acossado por vendedores agressivos. É um lugar que há que visitar? Sem dúvida. É seguro? Totalmente. Voltaria? Com certeza, mas seguramente antes iria a qualquer outra cidade de Marrocos.

 

Este post fai parte da serie Marrocos 2013: Umha viagem feita em Outubro de 2013 como primeiro viagem com A Capitana. Outros posts desta série são:

  1. Agora sim, partimos.
  2. Cruzando o Estreito.
  3. Primeira Cidade: Rabat.
  4. As Sete Fervenças.