Chegou o meu debute na competição, o meu primeiro rali! e com roadbook e tudo. Mas, como já vem sendo habitual, as complicações chegaram muito antes da linha de saída. Todo veio precedido de umas semanas frenéticas nas que pudemos desfrutar de multidão de visitas de família e amigos, mas que me impediu treinar e arranjar todo o preciso para poder participar. Em resumo, apresentava-me à carreira com apenas 50 Km de off-road percorridos com esta moto, o manete de embraiagem partido e sem suporte para o leitor do roadbook. Foi umha odisseia conseguir as peças para ter todo listo em tão pouco tempo (Deli, obrigado pela paciência nestes dias de tolémia) mas ao final a moto ficou preparada.

Preparation Almeria

Ainda assim quase todo vai ao caralho no último minuto, a noite anterior em urgências com a miúda até as 5:00 am o que me faz quase cancelar o hotel de Almeria e adiar a minha estreia para outro momento. Após umas horas de sono -poucas, mui poucas- é hora de ir alugar a furgoneta, mas que surpresa ao chegar, não há nenhuma disponível! segundo nos explica a empregada que nos atende estamos em “tempada alta”. A sério? Tempada alta de furgonetas? Nunca pensei que houvesse tal cousa.

Nessa altura já só tínhamos duas opções: voltar à casa e dormir placidamente, ou ir conduzindo a moto até Almeria, 370 Km de nada numa motocicleta de enduro de 250cc. Por suposto escolhemos a segunda opção, eu na moto e a família detrás no carro.

O caminho longo mas sem sobressaltos, a maior parte do tempo. Via como iam passando os kilómetros e quando me quis decatar ia sendo horas de parar a reabastecer, mas não havia sinal nenhuma de postos de gasolina. Assim continuamos a avançar, avançar… até que a moto bebeu o último grolo de combustível e começou a perder velocidade até ficar totalmente parada. E ali estava eu, na berma da autovia sem poder fazer mais nada que aguardar a chegada da minha namorada com uns litros de gasolina.

A minha particular equipa de resgate agiu a tempo e conseguimos chegar a Almería para recolher o dorsal, deixar a moto no parque fechado e desfrutar da merecida ceia e descanso.

Os meus nervos habituais antes de começar

Aqueles que me conhecedes sabedes que passo as situações que são novas para mim num estado de nervos constante, nervos que -de forma instantânea- se esvaecem no mesmo segundo que todo começa.

Entanto me visto de “guerreiro” conheço a Javier, um cántabro pilotando uma KLX 300 que me confessa que é a primeira vez que vai participar numa prova deste tipo, “pois já che somos dous”. Não ser o único novato não ajuda nada na carreira, mas psicologicamente sempre tranquiliza um pouco. Continuo com o ritual de preparação e voltam as mesmas dúvidas parvas de sempre: levo a mochila grande cheia de ferramentas ou o camelbak com o mínimo peso possível? Depois de cambiar as cousas de mochila varias vezes finalmente decido ir com o camelbak e o seu litro de auga, neste momento nem imagino como vou agradecer esta decisão um bocado mais tarde.

Agora o roadbook, mália não ter ideia de como se coloca e maneja o aparelho logo lhe dou traça graças aos mais veteranos que não duvidam em me botar uma mão com toda a sua paciência. Remato justo a tempo para chegar ao briefing onde nos explicam as normas da prova, alguns conselhos e informação do percorrido. A prova de hoje consta de duas especiais, uma primeira pela manhã até Macael onde pararemos a jantar e volta a Almería na tarde.

Com todo explicado e os pilotos preparados saímos caminho da linha de saída, mais de 200 motos escoltadas pela polícia com o tráfico cortado e as ruas do centro de Almería todas para nós.

Os participantes vão saindo um por um separados por 1 minuto seguindo a ordem dos dorsais, eu levo o número 18 pelo que não demora muito em ser o meu turno. “Dorsal 17? número 17!!!?” E o dezassete não aparecia. “Venha, pois vas ti 18”.

 

5, 4, 3, 2, 1…

Abro gás e todos os nervos desaparecem, tamém é que não tenho tempo para pór-me nervoso ao ter que estar pendente dos obstáculos do chão e das direcções do roadbook ao tempo que vou passando o rolo manualmente (os pobres não temos para um roadbook eléctrico), operação que precisa das duas mãos, a direita para afrouxar a parte inferior e a esquerda para enrolar e fazer avançar o livro de rota. Mais ainda quando aos poucos metros deixamos a pista de terra firme por uma “rambla” -que é como chamam aqui ao leito dum rio-  de areia que faz bailar a roda traseira constantemente.

Nem aos 5 minutos levo o primeiro susto, de súpeto a moto apaga-se até ficar totalmente parada, exactamente o mesmo comportamento que quando ficou sem gasolina no caminho a aqui o dia anterior. Mas acabo de sair, não pode ser que fica-se sem gasolina. Premo no botão de arranque mas não faz nada, sem sinais de vida. Uns segundos de hesitação até que reparo que o interruptor de corte de ignição está desligado, devi-no apertar sem querer ao termar da moto nalgum dos saltos anteriores.

Esta é uma prova de regularidade, na que para evitar penalizar se deve manter uma velocidade meia de uns 40Km/h, se passares pelos pontos de controle antes ou depois do teu tempo teórico de passo acumulas pontos de penalização. Sendo o meu primeiro rali esqueci isto e dediquei-me a tratar de desfrutar da oportunidade de rodar por uns paragens únicos, o que teria um resultado desastroso na classificação da primeira especial, chegando o último e acumulando um monte de pontos de penalização.

A dizer verdade não só pela falta de estratégia e a minha total despreocupação pelo tempo, sobre todo porque num dos controles de passo não reparei em que o caminho torcia a esquerda e continuei recto, perdendo bastante minutos até que cheguei a uma vila e as indicacões do roadbook já não faziam sentido nengúm, decido dar a volta e recuperar o caminho certo.

A altura do kilómetro 60 sufro a minha primeira queda, o roadbook indica uma subida perigosa que já no briefing nos advertiram, recomendando-nos subir pelo lado esquerdo. Encaro a subida com decisão mas… merda! estou do lado direito! e vejo que me dirijo direitinho a uma fenda no chão. Decido que o melhor é tentar cruzar ao outro lado e quando me quero decatar é tarde de mais e estou provando a terra almeriense.

O descanso dos guerreiros

Chego a Macael canso e cheio de terra mas com um sorriso depois de toda uma manhã nas trilhas. É tempo de botar gasolina, repor forças e, mais importante, partilhar uns momentos com o resto de participantes. Volto coincidir com Javier e conheço a Jaime, que participa com uma KTM 990 Adventure e me conta sobre o seu projecto “Cabras sobre Ruedas“. Tamém tenho a oportunidade de falar com José María García “El Culebra”, que viajou todo ao redor do mundo e tem participado em várias edições do rali Dakar. Passamos um bom anaco falando de motos, viagens… e viagens em moto por suposto :).

Estou acabando o meu café com Javier que me está a relatar os problemas com o escape da sua moto que agora leva atado com amarres de plástico, quando nos interrompe uma chamada pelos altifalantes para sacar uma foto com o alcalde de Macael no morteiro mais grande do mundo. Macael é terra de mármore e este morteiro é feito da pedra extraída nesta comarca.

Morteiro MAcael

 

Segunda especial

Desta volta saímos do centro da vila pelo que os primeiros kilómetros são no alcatrão, decido tomá-lo com mais calma para cometer menos erros de navegação, estratégia que ainda indo mais lento considero me permitirá colheitar um melhor resultado. Logo chega a terra e um cruze de caminhos que tomo a direita e no que vejo vir do lado esquerdo alguns dos participante que saíram antes e colheram o caminho errado. Semelha que a minha estratégia é a boa nesta ocasião.

Esta parte é mais complicada em quanto a navegação, com tramos marcados como caminho “difuso”, nos que não há pista é quase tens que ir intuindo o caminho. Uma das desvantagens de sair dos primeiros é que quase não há marcas no chão para te guiarem em caso de dúvida, a vantagem é que estás concentrado ao 100% e os erros dos demais não afectam. Descubro que com esta moto vou voando sobre areia, realmente desfruto nesta superfície, mas sofro e muito quando o terreio está cheio de pedra. Acho que não é cousa da moto mas do piloto, é algo que terei que treinar no futuro.

Cada pouco vejo pilotos parados consultando o roadbook, voltando de caminhos errados e hesitando nos cruzes. Todo o mal que o fiz esta manhã parece que o estou a compensar na tarde, mas todo a costa de ir mui por debaixo da velocidade idónea. Num dos grupos desses “errados” vejo vir a Javier, que parece continua a ter “problemas” com o escape.

Cada vez há mais e mais areia, estou chegando de volta a Almeria, o final da especial. De novo na “rambla” do rio Andarax, totalmente seco mas por vezes cruzado por pequenos regatos pretos de auga corrompida e que cheiram a podre. Já estou a ver a meta e, justo antes dum desses regatos nojentos vai-se a roda dianteira e vou deslizando até parar no meio daquelas augas… o cheiro vai durar dias.

A noite

Canso mas muito contento é tempo de descansar coa família e reflexionar sobre o dia. Uma das cousas que mais estou a botar de menos nesta viagem é passar tempo com elas, passeando de vagar mentres descobrimos a cidade aos poucos. Mália todo temos tempo para um pouco de “tapeo” almeriense, jogar no parque e desfrutar dum gelado e uma boa ceia. Entanto no hotel toda a minha roupa está a secar depois de ter que lavá-la completamente.

Estou a descobrir partes de Almería que nunca conheceria de não ser por este rali, mas devo-lhe uma visita para conhecer a cidade em condições.

Domingo

Acordo com mais ganhas de ficar na cama a dormir que de me por em marcha para a última especial. Mas para isso estou aqui, para fazer do que mais gostamos: andar de moto. E pagou a pena, foi uma etapa muito mais relaxada do que as do dia anterior, com menos complicações. Isso ou é que já me vou habituando. E na que pude desfrutar dumas paisagens espectaculares pelas alturas.

Almeria3 - Ceu

No tocante a competição esta última especial ajudou-me a maquilhar um pouco o mau resultado da primeira, chegando no posto 22 desta volta e 55 na classificação final. O que não está nada mal, tendo em conta que quase a metade dos participantes não foram quem de acabar a carreira.

A volta à casa foi muito mais relaxada que a ida, nada mais sair apareceu Daniel, um rapaz da Línea de la Concepción com espaço para uma mota mais e que se ofereceu a levar-ma, o que me permitiu ir tranquilamente no carro com a família.

Daniel ao resgate

O exotismo da AJP

Durante toda a prova a pequena AJP PR5 chamou a atenção de muitos dos participantes, poucos ouviram falar dela e a maioria pensavam que era umha moto chinesa. O que mais gostou foi a localização do depósito, justo debaixo do banco, o que faz que seja mui estreita diante e se sinta muito mais ligeira do que realmente é.

A manutenção que precisa esta moto é baixa, quase mais perto dumha trail do que uma enduro. Pelo que, mália não ser umha moto desenhada para a alta competição, considero que é uma base excelente para uma moto de raid e provas de longa distancia.

Conclusão

Cansado mas contento, um evento ideal para me sentir piloto por um dia descobrindo partes desta terra pelas que não teria a oportunidade de passar doutra maneira. A organização excelente e o ambiente entre os pilotos ainda melhor. Aguardo poder voltar em futuras edições a Almeria e, de seguro, não vai ser a única prova. Isto engancha!